Eu estava na estação, eram cinco da manha quando liguei para ela. Tive medo antes dela atender, mas quando escutei sua voz rouca e com sono perdi todo o medo, e tive a certeza que era ela mesmo que eu devia ter ligado naquele momento.
Primeiro ela ficou calada quando eu disse quem era que falava do outro lado da linha. Não calada por não saber o que falar, mas por saber exatamente o que falar, e por ser tanta, mas tanta coisa. Ficou perdida, encheu o momento de silêncio, de tensão, e logo me disse: Você. Que o tempo perdeu.
O tempo me deixou a perder, mas muito mais a ganhar. Eu disse a ela. Ganhar o que? Ganhar perdas? Respondeu.
O tempo me trouxe de volta.
De volta pra onde?
Pra cá, pra você.
Você nunca foi meu.


Você sabe quanto tempo ficou fora?
Quatro anos.
Pois bem, aqui se passaram 10 anos.
Como?
Porque eu vivi tão depressa, quase sem parar, sem fôlego, sem pausas, sem rumo, tão, mais tão intensamente que fiz correr 10 anos desde que você se foi, mesmo que tenham sido apenas quatro pra você.

Ela respirou bem fundo.

Eu precisei correr tanto no tempo para poder não lembrar que você tinha ido. Pra você não me doer.
Eu vivi tão depressa que minha vida mudou de semana em semana. Vivi muitas histórias, mesmo estando sempre no mesmo lugar.
Hoje sou mais vivida, porém mais cansada. cansada demais pra relembrar que um dia te amei, cansada demais pra tentar recordar nossos sentimentos e revivê-los.

E então desligou o telefone.

10-10-10

Entre o silencio de cada gota da chuva, ela o esperava no ponto de onibus, se escondendo de gotas geladas, olhando seu próprio reflexo nas poças formadas pelo chão.
Seus pés molhados, gelados. Ela já se prepara para que tudo fosse quebrado - o copo caiu no chão e quebrou: tão rápido, que não se percebe. Escorregou sobre seus dedos. Inacabado, mal começado. Sem fim.
Estava distraída quando ele bateu o guarda chuva sobre o vidro do ponto de onibus. Não queria olhar para trás e vê-lo. Não queria que aquela fosse a primeira da ultima vez.
Seus rostos corados, disfarçados. Ambos comovidos pela compreensão de um fim.
Tudo bem, tudo bem, ela dizia na imensidão do silencio que os partiam. Mas tudo não estava muito bem enquanto ele não conseguia nem direcionar o olhar para ela. Ela sorri, ele abaixa a cabeça. Ela diz sim, ele não, talvez. Talvez se eles tentassem se olhar por um pouco mais de tempo, algumas perguntas se solucionariam. Se eles se olhassem por mais um instante, se ela sorrisse para ele com os olhos mais uma vez, quem sabe ele não teria ficado.

Deitada na poeira e flores no domingo, o corpo mais quente do que o asfalto lá fora.
Os sentimentos agudos, tudo fica sensível, frágil. Perdi a fortaleza na fortaleza. Não sei o que sonhar quando o sonho vira realidade, e a realidade evapora as vidas que ficam, as que vão, que foram, e que chegam.
Eu não quero o frio, mas o sol aquece demais. O chão queima, o corpo muda, a respiração ofega. Todo aquele tamanho lá fora eu não consigo, eu não consigo acreditar que o desejei. Sou tão pequena quanto os pequenos, por saber o tamanho deles e o dos outros.
Me larga aqui, sobrevivendo nesse sonho azul.
Me larga aqui nessa saudade. Nessa certeza, na incerteza. Me larga aqui nesse sonho. Nesse azul. Azul real.
Tudo amadurece. Fica comum, incomum, azul escuro.

Um e um, um.

[...] a minha matemática é simples, um e um não são dois, são um. quando eu pego e volto a somar: eu e ele, dois, nós dois, dividido por mim, eu.

Ex isto

Porque é o sim
o não,
uma cruzada

Corpo livre individuo
Individuo preso sobre corpos
Todos
Um
Minha alma doei
mas ela permanece apenas minha
Dentro
Nua
arde, queima
Vivo
queimando até morrer
em vida
O peso da liberdade
Corpo livre
preso individuo